Como debater em um mar de agressão

Como debater em um mar de agressão

 “O Twitter está impossível”. Mandei essa mensagem recentemente para uma amiga que trabalha com redes sociais. Ela concordou: “As pessoas parecem estar com mais raiva do que nunca!”. Como viemos parar aqui?

Raiva, intolerância, descontrole, impulsividade. Quem acreditava que a polarização acabaria depois das eleições, enganou-se. Jornalistas sérios e ponderados estão sendo execrados quando emitem opinião diferente daquela que grupos organizados apreciam. A polarização se expandiu inclusive para além da política.

Incomodado e intrigado com essa energia combativa, passei a buscar os fatores que a trazem. E percebi que, por trás dessa nova dinâmica, está um tema trabalhado há anos com nossos clientes da SOAP: Domínio Emocional - ou, mais precisamente, a falta dele. É um dos assuntos que abordei como coautor do livro DETONE, sobre alta performance em momentos decisivos.

Domínio emocional é a habilidade de retomar as rédeas de seus pensamentos para manter a atenção sobre os comportamentos. Ou seja, perceber o que você está pensando e sentindo para escolher como agir em cada contexto; reconhecer a emoção quando ela aparece e tomar uma decisão consciente de não permitir que ela escale e consuma você.

Desenvolver essa capacidade é um passo importantíssimo para criar diálogos construtivos porque ajuda a manter a calma quando o interlocutor disser algo de que você discorda. Além disso, a não reatividade impulsiva permite que você esteja disponível para aceitar críticas. Gerenciamento de emoções evita, por exemplo, dar uma resposta atravessada para o chefe no momento errado. Você pode até desabafar, mas as consequências podem não compensar.


Redes Sociais X Ambiente Corporativo

A situação das redes sociais é diferente dos ambientes corporativos. Em empresas, o medo de perder o emprego e os limites organizacionais tornam as pessoas menos impulsivas e reativas, já que estão em jogo remuneração, reputação e carreira. Mas sem domínio emocional real, esse falso controle acumula ainda mais stress, que será descarregado em casa, com amigos ou... nas redes sociais!

Mas... o que mudou? Não foi sempre assim? As pessoas tinham domínio emocional e o perderam?

Acredito que houve, sim, uma mudança, que tem duas vertentes. A principal é o empoderamento de cada participante de uma grande rede. Pessoas que, antes, não podiam se fazer ouvidas podem, hoje, causar um estardalhaço, bom ou ruim. Isso é mais evidente em redes abertas, como o Twitter, onde você não precisa ser aceito como amigo para opinar (inclusive agressivamente) no perfil de qualquer pessoa. É a rede preferida dos jornalistas (e a minha também). Mas é onde as execrações mais acontecem, e isso tem prejudicado muito o debate.

A segunda vertente vem do sucesso que grupos organizados vêm obtendo. Eu faço parte desta jornada, de movimentos que se transferiram para as redes. Quando agem de forma coordenada, podem causar grandes mudanças, também para o bem e para o mal. A possibilidade de influência fascina e tem trazido centenas de milhares de pessoas para o diálogo – construtivo e destrutivo.

No caso das discórdias em redes sociais, a impressão que tenho é que a maioria age como se o ser humano fosse obrigado a estar de um lado ou de outro – como se houvesse apenas duas possibilidades. A falta de controle emocional é tanta que as pessoas se viciaram em dualizar.

Se você não concorda com o filho do presidente, é contra o governo inteiro. Se discorda da ação de um ministro, é comunista. Se tem credo ou religião diferente, é imoral. Se não gostou do filme “Roma”, é um ignorante consumidor de enlatados de Hollywood. Precisa ser sempre assim, ou um ou outro?

Há muitas outras posições em qualquer debate: é possível discordar de dois lados, não querer tomar partido, respeitar a opinião do outro fazendo críticas a ela, ou até mesmo apoiar a proposta alheia com ressalvas. Entretanto lidar com esses cenários, que não são “preto no branco”, exige domínio emocional para poder enfrentar discordâncias, vulnerabilidades próprias e ideias contrárias.


E como enfrentar ideias e posições contrárias?

O básico é ter capacidade de exercitar a escuta plena, de tentar entender o ponto de vista do outro sem a obsessão de estar correto ou de vencer o debate o tempo todo. Quando cada questionamento é encarado como “fim de papo”, perdemos a oportunidade de dialogar. Emoções descontroladas nos deixam cegos para quem está na nossa frente. Como explica o psicólogo canadense Jordan Peterson, precisamos decidir ouvir o outro.

Geralmente, quando nos comunicamos, assumimos que a conversa tem a ver com convencer o outro do nosso ponto de vista, mas o diálogo vai além disso. Quando escolhemos prestar atenção ao que outra pessoa, qualquer pessoa, tem a nos dizer, mesmo que ela seja diferente de nós ou tenha opiniões que não nos agradem, podemos descobrir algo que não sabíamos antes. “Se você tiver uma conversa assim com alguém, ambos se tornarão pessoas melhores”, diz Peterson. “O lugar onde vocês terminam é melhor do que o ponto de partida.” É uma mudança de mindset.

No ambiente das redes sociais, o mais problemático é que a raiva contagia e viraliza. O discurso polêmico e polarizador aumenta a visibilidade, e alguns oportunistas usam isso para conquistar audiência e se aproveitam daqueles que, sem domínio emocional, entram no ringue prontos para canalizar toda sua ira e finalizar um suposto adversário. É como uma pedra caindo em um lago: basta entrar em contato com a água para gerar ondas por toda a extensão.

Abatidos por essas ondas estão pessoas muitas vezes se esforçando para divulgar seus argumentos razoáveis, inclusive alguns jornalistas ainda imparciais, estes cada vez mais atingidos pela dualidade. Os críticos de plantão, sem prestar atenção ao que o outro está falando, e sem ter algo construtivo a acrescentar, criam um cenário de caos, um ambiente tóxico no momento em que a construção coletiva é do que mais precisamos.

Por isso meu convite hoje é para aqueles que ainda gostam de um bom debate: continuem valorizando a pluralidade de ideias e se conectando com quem gosta de sustentar conversas construtivas. Quem sabe, dando o exemplo, conseguimos convencer mais gente a acalmar os ânimos.

Leonardo Mendes

Maintenance and Reliability Engineer

4y

Ótimo texto! Precisamos praticar a consciência de que, como disse Jordan Peterson, podemos chegar ao final do DIÁLOGO em uma condição de entendimento melhor do que quando começamos. Temos muito a ganhar com o volume de informações que temos hoje e a facilidade de discussão, não podemos desperdiçar isso com polarização.

ANDRÉ LUIZ LIMA GONÇALVES

Gerente de vendas / Executivo de Vendas /Vendedor / Sales Consultant / Consultor de vendas / Pai de família

5y

Texto realmente muito bom...serve para todos, para os grandes Top Voices do LinkedIn, Influencers, jornalistas, artistas, empresários, políticos etc. O debate é bom, com certeza deveria ser menos agressivo de todos os lados...seja esquerda, direita ou novo. Afinal ninguém está totalmente certo onde o outro esteja totalmente errado quando se trata de opiniões!

ALTAIR PAVÃO

Analista de suporte de TI | STX Desenvolvimento Imobiliario S.A

5y

Muito bom!!! Parabéns!

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Tabata (Tabs) Emanuelle Barbosa

Scrum Master | Senior Leader | Product Manager | Project Manager | Digital Transformation

5y

Excelente reflexão !

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Giovanna Cocci

HR Business Partner I HRBP Specialist

5y

Ótima leitura! Recomendo aos colegas ao ler o texto, complementar o raciocínio clicando em “escuta plena”, que irá direcionar a outro texto de excelente qualidade e profundidade 👏🏻

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